terça-feira, 9 de agosto de 2011

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Atuais moradores de São Paulo e formados pela UFSM, os atores do Grupo Santa Víscera vieram à Santa Maria para apresentações nas ruas da cidade. No dia 07, a encenação foi no pátio do SESC, na segunda dia 8, na Escola Municipal Altina Teixeira, na Vila Caramelo.

Com o espetáculo Teatro a La Carte, Graciana Pires e Marco Antonio Barreto apresentaram trechos de Gabriel Garcia Marquez, Anton Tchékhov, Antoine de Saint-Exupéry, Harold Pinter, entre obras de outros autores e textos próprios. A proposta é realmente a la carte: as cenas são oferecidas em um cardápio passado ao público, e cada um pede aquela que deseja assistir. Cada trecho tem de três a oito minutos de duração.

A princípio, o grupo apresentava-se nas ruas de São Paulo e cobrava cerca de 4,00 reais por cena escolhida. Agora, o foco é na apresentação completa contratada por uma empresa ou entidade, na qual o público opta pelas peças sem pagar por cada uma delas. Conforme Barreto, o Teatro a La Carte abre possibilidades de apresentações para os outros projetos do grupo, como o monólogo Sempre aquela velha história, baseado no texto Temos todos a mesma história, de Dário Fo e Franca Rame, o espetáculo infantil Quem conta um conto e a peça O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal.

Na apresentação na Escola Municipal Altina Teixeira, os alunos reuniram-se na quadra em um grande círculo, observando os dois atores que protagonizavam as cenas. Após cada pedido, os atores transformavam-se em personagens distintos, acompanhados de pequenos gritos e exaltações infantis.

Para que todos os alunos pudessem assistir ao Teatro a La Carte, os períodos das aulas da tarde foram reduzidos. “Esse tipo de atividade tem grande aceitação, porque se não fosse aqui na escola, os alunos não veriam”, afirma o diretor da escola, Dilmar Diniz da Silveira. Em um bairro com pouco acesso à demonstrações artísticas, apresentações são bem vindas e valorizadas. Conforme comenta Adriana Marculan Basttianello, mãe que foi assistir ao teatro, “amanhã ou depois o futuro deles pode estar aí, nunca se sabe”.

Graciane Pires e Marcos Antonio Barreto encenam techo de O Candidato, de Harold Pinter

Após a apresentação, conversamos com os atores sobre seu método e a recente adesão do grupo ao Circuito Fora do Eixo:

Como são escolhidas as cenas do cardápio?

Graciane Pires: Em princípio, pensamos muito em cenas que atinjam o maior número de pessoas possível. Procuramos cenas que todos possam compreender, que não sejam tão fortes. Claro que elas têm uma restrição no sentido de que não vamos falar palavrão, mas não naquela coisa moralista, politicamente correta. Cenas que toquem todos os temas e sejam acessíveis a todas as pessoas. Que não falem palavras complicadas, a não ser no teatro do absurdo, mas mesmo assim, as pessoas compreendem pela relação, por exemplo, às vezes tem palavras absurdas, mas elas compreendem pela relação do que estamos fazendo, pelas ações das cenas. Então a gente busca esse tipo de abrangência quando estamos fazendo o cardápio.

Marco Antonio Barreto: A mistura das linguagens, também. Linguagens, gêneros, estilos. É bem a ideia de um cardápio, que se possa pegar e ter pelo menos uma coisa que se goste.

Há textos profundos e personagens complexos em cenas que duram poucos minutos. Como vocês fazem pra buscar profundidade em tão pouco tempo?

Graciane: Bom, isso é um conjunto de coisas. Em princípio usamos das técnicas que aprendemos como atores, como da análise ativa, um instrumento de análise de texto que descobre as circunstâncias de cada cena. A análise é um método que divide o texto em pequenos quadros e é como se cada quadro desses contivesse dentro dele o todo do texto. Então procuramos um quadro que a gente ache que vai conter toda a obra. Por exemplo, em O Urso. Haveria algumas cenas que ele [Marco Barreto] faria sozinho, mas a gente não coloca ela no cardápio, porque ela não contempla o texto sozinha, só com uma fala não se entende qual é a história. Claro que sempre vai ficar faltando o resto, mas a gente procura fazer com que uma cena se entenda a obra inteira. No caso da Erendira, por exemplo, que é um texto do [Gabriel] Garcia Marquez, um escritor que trabalha muito com a imagem. Não é necessária tanto a questão da história e sim um texto que sugira imagens, sugira coisas para as pessoas. Então, nesse caso, a gente escolheu mais pela questão da imagem. São vários pontos que trabalhamos.

Alunos, pais e professores acompanharam a apresentaão na Escola Municipal Altina Teixeira

E como é este processo de passar de um personagem para outro em tão pouco tempo?

Marco: Logo no início era muito difícil. A gente saía de uma cena de Navalha na Carne e tinha que fazer uma cena de palhaço. No começo a gente percebia que vinha muito carregado da cena anterior. Começamos a trabalhar o que se chama de partituras, que é toda a movimentação, toda a ação que é feita e a gente grava. Ela vai ser sempre a mesma: por exemplo, se eu me levanto, pego ela pelo braço e a puxo. Se eu apresentar 50 vezes eu vou fazer sempre isso. Então a gente fixou ao máximo isso e aprendeu a ter uma relação com essa ação que é feita, pra que ela se desligue da outra. Começamos a aprender a separar uma cena da outra, a não vir carregado da cena anterior.

Graciane: No início, foi também um aprendizado para nós, foi muito da prática. Como o Marco falou, vínhamos muito carregados das coisas, mas depois, como a nossa técnica trabalha também com a mudança de energia, você monta mais ou menos um corpo para o personagem. Um menino, como eu faço ele? Eu já tenho uma jogada de braço, algo assim. Antes, quando estou no neutro, naquele estado [anterior à cena] eu já pego algo que parece que vai puxar aquilo, são pequenos dispositivos que o ator organiza corporalmente e pode se utilizar rápido nessa hora.

Marco: Tivemos um trabalho para fazer isso mesmo, gravar. Gravar a cena no corpo e ficar trocando de uma pra outra. A gente exercitou isso, para gravar ao máximo, muito forte no corpo. Porque acontecia isso: você saía de uma cena onde tinha tomado um monte de pancada e fazia uma cena infantil, super tranquila. Então é um segundo no qual você respira, pára na postura do outro personagem, recupera a energia dele e vai.

Você falou da técnica que trabalha com energia. Como ela funciona?

Graciane: Brevemente: são basicamente exercícios que trabalhamos aqui na Universidade Federal de Santa Maria e adaptamos. Tem de vários encenadores, mas usamos exercícios do Stanislavski, da escola russa e do Eugenio Barba, da antropologia. E tem um treinamento que a gente faz, que é de yoga, mas voltado para o trabalho do ator, porque a pessoa que nos treina, a Adriana Patias, é formada aqui na Federal e é atriz. A yoga ajuda muito nessa troca que a gente tem, porque trabalha com essa questão da energia. Então, a yoga Asthanga Vinyasa, que é o que a gente faz, que é uma yoga um pouco mais dinâmica, não é tanto de meditação e relaxamento, é mais de respiração nas posições.

Marco: Exige um esforço físico. Se não me engano ela é a única das práticas que junta respiração, diminuição da freqüência mental e posturas físicas. Você tem que sair de uma postura para outra, de um exercício pra outro e tendo sempre que manter o fluxo e achar o equilíbrio, mesmo quando é difícil. E é uma coisa que acabamos aplicando quando saímos de uma cena pra outra, achar essa tranquilidade.

Vocês aproximaram-se recentemente do Circuito Fora do Eixo. O que isso acarreta para o grupo?

Graciane: A aproximação com o CfE foi de muito crescimento para o grupo, porque a possibilidade de você poder trocar com pessoas das cinco regiões do país é muito legal. Estar participando de um circuito onde um artista lá do Amapá, do Acre, também participa. Eu sou gaúcha e moro em São Paulo, então eu não teria acesso, como tivemos esses dias que conhecemos artistas de Roraima. A gente não sabia a realidade de Roraima. Como a Silmara [Costa, do PFE Roraima] falou, as pessoas acham que lá em Roraima tem só florestas, e era a nossa visão! Então ela contou para a gente como é lá em Roraima, como é a realidade deles, como eles vivem lá, como é fazer teatro lá, o que é parecido, o que é diferente. E além dessas trocas tem as ações que o Palco [Fora do Eixo] promove, como a mini-tour que vamos fazer em agosto pela região de São Paulo. Então é muito bom para a gente, estamos mostrando nosso trabalho, potencializando. Por exemplo, a gente fecha uma apresentação com o SESC, mas aí o CfE potencializa isso: uma apresentação vira onze apresentações. Temos essa questão que o SESC nos paga o cachê e a possibilidade de ir até um lugar e depois, na moeda solidária, vamos pulando pelas cidades vizinhas até voltar para São Paulo. Isso é uma possibilidade que não teríamos sem o CfE.

Outra coisa que sentimos é quanto ao espaço que eles abriram para nós. Só podemos montar nosso novo espetáculo por causa da CAFESP, que abriu as portas para a gente. Estamos ensaiando lá e os profissionais de lá estão nos ajudando, estão se inserindo no nosso espetáculo. O pessoal do Clube de Cinema está vindo também para contribuir. Então é uma soma para nós. E a gente considera que depois de três anos de São Paulo, onde vivemos muito separados, muito sozinhos, a gente voltou um pouquinho para Santa Maria nesse sentido, porque tem um lugar onde nos acolhemos, onde trocamos mais. A nossa realidade aqui em Santa Maria era essa, era muito de troca. Não importava se você não era do mesmo grupo, mas a gente estava sempre trocando. Precisava de iluminador e não tinha, chamava de outro grupo, precisa de ator e não tinha, chamava de outro grupo. Lá [em São Paulo] não existe isso, lá é a selva de pedra mesmo. Lá cada um ganha o seu e defende o seu, não há essa troca. E sentíamos muita falta disso. Então quanto entramos para o CfE, sentimos que voltou um pouquinho disso, voltamos a pensar como trabalhar em conjunto, e isso é muito importante para a gente enquanto artistas.


Confira imagens da apresentação do Teatro a La Carte e da oficina de Técnica Circense ministrada por Daniel Lucas, Arthur Faleiros, Karine Pissuti, Tiago Teles e Luis Fernando 'Bando' Marques no pátio do SESC no parque Itaimbé no domingo, dia 07.

 
 

Texto: Bianca Villanova
Fotos: Bianca Villanova e Laura T. Couto

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