quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Dois palhaços, três porcos e muitas gargalhadas



Às 20h20min da terça-feira, dia 9 de agosto, tocou o sinal uma, duas, três vezes. Ele indicava ao público que deveria entrar para a sala de espetáculo – no Espaço Cultural Victório Faccin. Avisava, também, aos atores que deveriam se preparar para entrar, e ao som do último sinal, enfim,entrar em cena e encantar os espectadores. Mas ainda foram necessários tantos outros sinais, tocados de forma intermitente até que, finalmente se ouve do lado de fora uma voz, com um sotaque ítalo-hispânico (estranho).

Entrando no palco, Napolino esbraveja, comentando com seu amigo Bisgoio, a falta de paciência de quem toca o sinal causando algumas risadas do público. Mas ao olhar para o lado percebe a falta do amigo: - companheiro Bisgoio, grita ele [E aqui é necessário um parêntesis -enfatizado em cena: ao contrário do que sua leitura possa indicar, Bisgoio se pronuncia com o último “o” fechado |ô|, estamos combinados?]

No fundo da sala, atrás da última fileira da arquibancada, dormia tranquilamente Bisgoio, que se denuncia com seus roncos e suspiros um pouco altos demais. Napolino vai até ele para acordá-lo, afinal, a dupla têm um propósito, contar ao público uma história: a história de três porcos e um lobo. – Companheiro Bisgoio, postura de artista! – orienta Napolino, e assim a dupla começa.

Com a ajuda do público, os dois palhaços tentam cumprir seu objetivo, mas é a interação e amizade da dupla que diverte o público. Além de ajudar os atores a lembrar a ordem da história, como foi o caso do pequeno João Pedro, de 6 anos, outro foi convidado a sentir o poder e uivar com um lobo, como o caso do fotógrafo Marcelo Cabala. Mas não foram apenas eles. Poucos foram os penteados que saíram intactos da apresentação.



Além de muitas risadas – algumas que chamaram muito a atenção dos próprios atores – quem assistiu à apresentação também recebeu algumas orientações para ser um artista. Segundo Napolino, é necessário entrar em contato com a essência do persongem, ensinou ele entrando em contato com o seu porco interior. Ele também ensinou que o caminho para ser um grande artista é saber se desnudar para mostrar esta essência. Neste momento o companheiro Bisgoio, aluno exemplar, leva ao pé da letra os ensinamentos do amigo. O público ri, mas Napolino irrita-se com este e tantos outros percalços na tentativa de contar a história que decide seguir carreira solo - sem mesmo terminar de contar a história!

Bisgoio fica abandonado no palco, mas não por muito tempo. A amizade destes palhaços é muito mais forte do que as trapalhadas e dificuldades. Com um convite de que os dois têm muito trabalho pela frente, Bisgoio e Napolino se despedem do público recebendo muitos aplausos pela diversão proporcionada por eles.  

A peça, que já foi apresentada em festas infantis, supermercados, calçadas, teatros e escolas encerrou a programação de apresentações noturnas no TUI. Segundo os atores Lucas Santarosa (Napolino) e Neto Donegá (Bisgoio), a apresentação depende 100% do público, e a resposta não poderia ter sido melhor na primeira apresentação do Grupo Zibaldoni, de Ribeirão Preto (SP) em Santa Maria. A peça que conta a história de dois amigos, no bate-papo após a apresentação, se revela uma parceria também fora de palco. São amigos de longa data. Amizade esta que possibilita um jogo de cena e desenvoltura em palco que fez o público, de todas as idades, darem muitas risadas naquele noite.

FICHA TÉCNICA:
Título: 3 é bom, 2 é demais
Grupo: Zibaldoni
Adaptação e concepção (texto): Lucas Santarosa e Neto Donegá
Direção e atuação: Lucas Santarosa e Neto Donegá
Produção executiva: Anna Casanova
Duração: 45 minutos

Texto: Igor Müller
Fotos: Marcelo Cabala  

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cinema no palco

Filme e dramaturgia. Espetáculos que viram filmes; filmes que viram espetáculos.
"Sucesso a qualquer preço", peça adaptada do longa de mesmo nome, foi apresentado pelo Grupo Ação de Experimentação Cênica na segunda-feira à noite, na Mostra Noturna do Fetism,no Espaço Cultural Victorio Faccin. Os diálogos rápidos, a narrativa direta e objetiva, os nomes norte-americanos dos personagens somados à postura do elenco no palco causaram a impressão de se estar assistindo a uma obra cinematográfica mesmo.



O que se faz para alcançar o topo do quadro de vendas da empresa em que se trabalha, obter sucesso, reconhecimento e ser recompensado com um Cadillac? Por tudo isso, vale até roubar, enganar, mentir e humilhar-se. Levene, Roma, Moss e George são os vendedores que almejam o "sucesso a qualquer preço". Mas na avidez de ganhar um carro, realizar vendas bonificadas e assim ficar bem posicionado no quadro de vendas exposto na empresa, caminhos nada éticos são escolhidos. Aumentando a tensão dos vendedores, está Shelly Williamsom, a gerente má que cobra e ameaça os empregados.



"Sucesso a qualquer preço" é originalmente uma peça de teatro que virou filme. No bate-papo pós-apresentação, o diretor Antônio Orellana contou que escolheu o texto devido ao ritmo das cenas, das falas e também pela sua história. Ele explicou que adaptou o roteiro da peça, de 1984, de autoria de David Marnet, que além de autor do texto dramático também foi roteirista da versão para o cinema. No palco do TUI, se viu uma junção do roteiro de cinema com o texto da dramaturgia.



Conforme Orellana, o espetáculo começou a ser construído pelo grupo no início do ano passado e o Fetism marcou a quarta apresentação da peça que ainda neste ano será apresentada em turnê pelo SESC.

No debate, o elenco revelou que se inspirou nos personagens do filme, mas também fez improvisações durante os ensaios. Essas improvisações garantiram os momentos de comicidade de um texto que transitou entre a seriedade e o humor.


FICHA TÉCNICA

Título: Sucesso a Qualquer Preço
Grupo: Ação de Experimentação Cênica

duração: 50 min
Sinopse:  Em uma firma que trabalha com venda de imóveis os tempos estão difíceis para seus quatro corretores Levene, Roma, Moss e George. Eles são fortemente pressionados pela gerente Williamson, que propõe uma disputa interna e acaba modificando toda a situação com uma grande surpresa, pois lá não há lugar para fracassados. Uma situação de conflito é gerada e os limites de competitividade entre os colegas e a ética são questionados.
Ficha Técnica:
Direção: Antônio Orellana
Elenco: Djefri Ramon, Gabriel Araújo, Gelton Quadros, Marcos Caye e Tatiana Vinadé.
Operação de luz: Maurilio Bertazzo
Operação de Som: Mariana Lohmann
Orientação: Profª Ms. Adriana Dal Forno
Texto: “Sucesso a Qualquer Preço” de David Mamet
Adaptação: Antônio Orellana Gonçalves 

Fotos: Marcelo Cabala



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Atuais moradores de São Paulo e formados pela UFSM, os atores do Grupo Santa Víscera vieram à Santa Maria para apresentações nas ruas da cidade. No dia 07, a encenação foi no pátio do SESC, na segunda dia 8, na Escola Municipal Altina Teixeira, na Vila Caramelo.

Com o espetáculo Teatro a La Carte, Graciana Pires e Marco Antonio Barreto apresentaram trechos de Gabriel Garcia Marquez, Anton Tchékhov, Antoine de Saint-Exupéry, Harold Pinter, entre obras de outros autores e textos próprios. A proposta é realmente a la carte: as cenas são oferecidas em um cardápio passado ao público, e cada um pede aquela que deseja assistir. Cada trecho tem de três a oito minutos de duração.

A princípio, o grupo apresentava-se nas ruas de São Paulo e cobrava cerca de 4,00 reais por cena escolhida. Agora, o foco é na apresentação completa contratada por uma empresa ou entidade, na qual o público opta pelas peças sem pagar por cada uma delas. Conforme Barreto, o Teatro a La Carte abre possibilidades de apresentações para os outros projetos do grupo, como o monólogo Sempre aquela velha história, baseado no texto Temos todos a mesma história, de Dário Fo e Franca Rame, o espetáculo infantil Quem conta um conto e a peça O arquiteto e o imperador da Assíria, de Fernando Arrabal.

Na apresentação na Escola Municipal Altina Teixeira, os alunos reuniram-se na quadra em um grande círculo, observando os dois atores que protagonizavam as cenas. Após cada pedido, os atores transformavam-se em personagens distintos, acompanhados de pequenos gritos e exaltações infantis.

Para que todos os alunos pudessem assistir ao Teatro a La Carte, os períodos das aulas da tarde foram reduzidos. “Esse tipo de atividade tem grande aceitação, porque se não fosse aqui na escola, os alunos não veriam”, afirma o diretor da escola, Dilmar Diniz da Silveira. Em um bairro com pouco acesso à demonstrações artísticas, apresentações são bem vindas e valorizadas. Conforme comenta Adriana Marculan Basttianello, mãe que foi assistir ao teatro, “amanhã ou depois o futuro deles pode estar aí, nunca se sabe”.

Graciane Pires e Marcos Antonio Barreto encenam techo de O Candidato, de Harold Pinter

Após a apresentação, conversamos com os atores sobre seu método e a recente adesão do grupo ao Circuito Fora do Eixo:

Como são escolhidas as cenas do cardápio?

Graciane Pires: Em princípio, pensamos muito em cenas que atinjam o maior número de pessoas possível. Procuramos cenas que todos possam compreender, que não sejam tão fortes. Claro que elas têm uma restrição no sentido de que não vamos falar palavrão, mas não naquela coisa moralista, politicamente correta. Cenas que toquem todos os temas e sejam acessíveis a todas as pessoas. Que não falem palavras complicadas, a não ser no teatro do absurdo, mas mesmo assim, as pessoas compreendem pela relação, por exemplo, às vezes tem palavras absurdas, mas elas compreendem pela relação do que estamos fazendo, pelas ações das cenas. Então a gente busca esse tipo de abrangência quando estamos fazendo o cardápio.

Marco Antonio Barreto: A mistura das linguagens, também. Linguagens, gêneros, estilos. É bem a ideia de um cardápio, que se possa pegar e ter pelo menos uma coisa que se goste.

Há textos profundos e personagens complexos em cenas que duram poucos minutos. Como vocês fazem pra buscar profundidade em tão pouco tempo?

Graciane: Bom, isso é um conjunto de coisas. Em princípio usamos das técnicas que aprendemos como atores, como da análise ativa, um instrumento de análise de texto que descobre as circunstâncias de cada cena. A análise é um método que divide o texto em pequenos quadros e é como se cada quadro desses contivesse dentro dele o todo do texto. Então procuramos um quadro que a gente ache que vai conter toda a obra. Por exemplo, em O Urso. Haveria algumas cenas que ele [Marco Barreto] faria sozinho, mas a gente não coloca ela no cardápio, porque ela não contempla o texto sozinha, só com uma fala não se entende qual é a história. Claro que sempre vai ficar faltando o resto, mas a gente procura fazer com que uma cena se entenda a obra inteira. No caso da Erendira, por exemplo, que é um texto do [Gabriel] Garcia Marquez, um escritor que trabalha muito com a imagem. Não é necessária tanto a questão da história e sim um texto que sugira imagens, sugira coisas para as pessoas. Então, nesse caso, a gente escolheu mais pela questão da imagem. São vários pontos que trabalhamos.

Alunos, pais e professores acompanharam a apresentaão na Escola Municipal Altina Teixeira

E como é este processo de passar de um personagem para outro em tão pouco tempo?

Marco: Logo no início era muito difícil. A gente saía de uma cena de Navalha na Carne e tinha que fazer uma cena de palhaço. No começo a gente percebia que vinha muito carregado da cena anterior. Começamos a trabalhar o que se chama de partituras, que é toda a movimentação, toda a ação que é feita e a gente grava. Ela vai ser sempre a mesma: por exemplo, se eu me levanto, pego ela pelo braço e a puxo. Se eu apresentar 50 vezes eu vou fazer sempre isso. Então a gente fixou ao máximo isso e aprendeu a ter uma relação com essa ação que é feita, pra que ela se desligue da outra. Começamos a aprender a separar uma cena da outra, a não vir carregado da cena anterior.

Graciane: No início, foi também um aprendizado para nós, foi muito da prática. Como o Marco falou, vínhamos muito carregados das coisas, mas depois, como a nossa técnica trabalha também com a mudança de energia, você monta mais ou menos um corpo para o personagem. Um menino, como eu faço ele? Eu já tenho uma jogada de braço, algo assim. Antes, quando estou no neutro, naquele estado [anterior à cena] eu já pego algo que parece que vai puxar aquilo, são pequenos dispositivos que o ator organiza corporalmente e pode se utilizar rápido nessa hora.

Marco: Tivemos um trabalho para fazer isso mesmo, gravar. Gravar a cena no corpo e ficar trocando de uma pra outra. A gente exercitou isso, para gravar ao máximo, muito forte no corpo. Porque acontecia isso: você saía de uma cena onde tinha tomado um monte de pancada e fazia uma cena infantil, super tranquila. Então é um segundo no qual você respira, pára na postura do outro personagem, recupera a energia dele e vai.

Você falou da técnica que trabalha com energia. Como ela funciona?

Graciane: Brevemente: são basicamente exercícios que trabalhamos aqui na Universidade Federal de Santa Maria e adaptamos. Tem de vários encenadores, mas usamos exercícios do Stanislavski, da escola russa e do Eugenio Barba, da antropologia. E tem um treinamento que a gente faz, que é de yoga, mas voltado para o trabalho do ator, porque a pessoa que nos treina, a Adriana Patias, é formada aqui na Federal e é atriz. A yoga ajuda muito nessa troca que a gente tem, porque trabalha com essa questão da energia. Então, a yoga Asthanga Vinyasa, que é o que a gente faz, que é uma yoga um pouco mais dinâmica, não é tanto de meditação e relaxamento, é mais de respiração nas posições.

Marco: Exige um esforço físico. Se não me engano ela é a única das práticas que junta respiração, diminuição da freqüência mental e posturas físicas. Você tem que sair de uma postura para outra, de um exercício pra outro e tendo sempre que manter o fluxo e achar o equilíbrio, mesmo quando é difícil. E é uma coisa que acabamos aplicando quando saímos de uma cena pra outra, achar essa tranquilidade.

Vocês aproximaram-se recentemente do Circuito Fora do Eixo. O que isso acarreta para o grupo?

Graciane: A aproximação com o CfE foi de muito crescimento para o grupo, porque a possibilidade de você poder trocar com pessoas das cinco regiões do país é muito legal. Estar participando de um circuito onde um artista lá do Amapá, do Acre, também participa. Eu sou gaúcha e moro em São Paulo, então eu não teria acesso, como tivemos esses dias que conhecemos artistas de Roraima. A gente não sabia a realidade de Roraima. Como a Silmara [Costa, do PFE Roraima] falou, as pessoas acham que lá em Roraima tem só florestas, e era a nossa visão! Então ela contou para a gente como é lá em Roraima, como é a realidade deles, como eles vivem lá, como é fazer teatro lá, o que é parecido, o que é diferente. E além dessas trocas tem as ações que o Palco [Fora do Eixo] promove, como a mini-tour que vamos fazer em agosto pela região de São Paulo. Então é muito bom para a gente, estamos mostrando nosso trabalho, potencializando. Por exemplo, a gente fecha uma apresentação com o SESC, mas aí o CfE potencializa isso: uma apresentação vira onze apresentações. Temos essa questão que o SESC nos paga o cachê e a possibilidade de ir até um lugar e depois, na moeda solidária, vamos pulando pelas cidades vizinhas até voltar para São Paulo. Isso é uma possibilidade que não teríamos sem o CfE.

Outra coisa que sentimos é quanto ao espaço que eles abriram para nós. Só podemos montar nosso novo espetáculo por causa da CAFESP, que abriu as portas para a gente. Estamos ensaiando lá e os profissionais de lá estão nos ajudando, estão se inserindo no nosso espetáculo. O pessoal do Clube de Cinema está vindo também para contribuir. Então é uma soma para nós. E a gente considera que depois de três anos de São Paulo, onde vivemos muito separados, muito sozinhos, a gente voltou um pouquinho para Santa Maria nesse sentido, porque tem um lugar onde nos acolhemos, onde trocamos mais. A nossa realidade aqui em Santa Maria era essa, era muito de troca. Não importava se você não era do mesmo grupo, mas a gente estava sempre trocando. Precisava de iluminador e não tinha, chamava de outro grupo, precisa de ator e não tinha, chamava de outro grupo. Lá [em São Paulo] não existe isso, lá é a selva de pedra mesmo. Lá cada um ganha o seu e defende o seu, não há essa troca. E sentíamos muita falta disso. Então quanto entramos para o CfE, sentimos que voltou um pouquinho disso, voltamos a pensar como trabalhar em conjunto, e isso é muito importante para a gente enquanto artistas.


Confira imagens da apresentação do Teatro a La Carte e da oficina de Técnica Circense ministrada por Daniel Lucas, Arthur Faleiros, Karine Pissuti, Tiago Teles e Luis Fernando 'Bando' Marques no pátio do SESC no parque Itaimbé no domingo, dia 07.

 
 

Texto: Bianca Villanova
Fotos: Bianca Villanova e Laura T. Couto

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