domingo, 7 de agosto de 2011

O teatreiro de rua: desafios ao seu fazer*

O Arlequim, um dos personagens clássicos
da commedia dell'arte, conhecida por seus
espetáculos em espaços públicos
*por Régis D'Ávila


O frio intenso do inverno e as possíveis chuvas em qualquer época do ano são apenas alguns dos elementos que podem interferir na vontade e no impulso criador do teatreiro que deseja mostrar sua arte na rua. Em geral, ele está estimulado pela ideia de fazer um teatro mais democrático e direto, que atinge a população de forma a modificar seu cotidiano, introduzindo a arte teatral na vida dos que “não sabiam que ia ter, mas pararam para ver”.

O teatro de rua carrega consigo muitas especificidades no seu fazer e expandir, tornando os artistas de “calçadas e praças” audazes realizadores. No momento da construção de um espetáculo teatral direcionado para apresentações na rua, os envolvidos precisam planejar uma série de artifícios que se diferenciam do teatro de espaço formal. Figurinos, cenários e objetos devem ser práticos para o momento de transportar, montar, utilizar e desmontar a cena.

Encarando solos úmidos, desnivelados, ásperos, enfrentando sol forte e muito calor, ventos variados, chuviscos e temporais repentinos, o teatreiro de rua tem que estar preparado. Na construção da peça, os artistas ainda têm que prever intervenções do tradicional barulho de trânsito ou de agitadas obras, além de outras intervenções sonoras que disputarão a atenção dos transeuntes.

Os atores têm que estar prontos para possíveis intervenções de bêbados, pivetes, guardas municipais e, até mesmo, de “engraçadinhos” cachorros, que podem insistir em interromper uma cena. Por isso, a preparação dos atores deve ser diferenciada em relação a uma obra apresentada no palco, a dinâmica corporal deve transcender a cotidiana para destacar-se em meio à multidão, sua voz necessita ainda mais amplitude para que alcance os ouvidos dos interessados nesse ritual artístico.

Para transpor as dificuldades e conquistar o público que se dispôs a parar e assistir uma obra de arte em meio à correria do dia a dia, o preparo mais urgente do ator de rua deve ser a capacidade de jogar com o que acontece a sua volta, improvisar com as interferências inesperadas e as previstas, com a reação do público e o que mais surgir, utilizando de modo positivo o que poderia ser negativamente recebido.

Não bastando as exigências artísticas extras ao teatro de palco, o artista cênico que monta peças para a rua enfrenta outras barreiras, como a impossibilidade da cobrança de ingressos, comum ao espaço teatral fechado e a, em geral, inexpressiva colaboração no tradicional “passar do chapéu” – muito pela natural condição financeira dos que param para assistir, admirados com um evento diferente no seu cotidiano de trabalhador comum, muito pela falta de cultura de valorização da obra artística.

Vocês viram meu cachorro? foi umas das peças que abriu a II Mostra de Teatro de Rua

Quando o profissional de teatro monta um espetáculo ele quer mostrar sua arte, mas também espera receber por ela. E é aí que aparece mais um possível empecilho para a encenação de rua. A comercialização de um espetáculo teatral de palco passa por um caminho difícil, especialmente na realidade dos artistas do interior.

No entanto, uma obra direcionada para um edifício teatral agrega a possibilidade da cobrança de ingressos e o admissível direcionamento de um público alvo (ideal para apoiadores e seus interesses). Já os grandes clientes de espetáculos de rua deveriam ser as instituições com maior interesse no crescimento cultural dos cidadãos: as prefeituras e suas secretarias.

Porém, exatamente a falta de cultura de muitos dos responsáveis pela gestão cultural de órgãos públicos do interior dificulta a expansão e a circulação dos espetáculos. Fazer teatro de rua requer dedicação e altruísmo.

Régis Jacques D'Ávila é professor do departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).