O grupo Tea Teatro esteve em Santa Maria pela segunda vez neste FETISM, e apresentou ao público brasileiro a peça ADN - Hijos sin nombre. Confira o que as atrizes e o diretor falaram sobre a peça, durante a breve passagem da equipe pelo Brasil.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
I Encontro #PFE: debates, troca de experiências e articulações políticas
De 09 a 11 de agosto, integrado ao 4º Festival de Teatro Independente de Santa Maria, ocorreu o I Encontro Nacional do Palco Fora do Eixo. Artistas, estudantes, produtores culturais e agentes do Circuito Fora do Eixo reuniram-se durante três dias, no SESC, para compartilhar experiênciar e participar das discussões sobre gestão cultural, artistas cênicos em rede e políticas públicas e alternativas de fomento às artes.
O debate sobre gestão cultural contou com Ana Paula Galvão, do GestaCultura, de São Paulo,e Carol Tokuyo, do Casa Fora do Eixo São Paulo. Galvão presta consultoria em gestão para artistas, principalmente grupos teatrais, sobre planejamento, plano de marketing e comunicação e uso de mecanismos de incentivo. "Não dá para os artistas ficarem esperando, hoje. É preciso ter protagonismo. Todo mundo produz e quer fazer seu trabalho aparecer e circular", afirmou Ana Paula, que também é professora da SP Escola de Teatro. Para ela, os artistas devem procurar se diferenciar e repensar os modelos de gestão, buscar soluções alternativas para circulação e distribuição do trabalho artístico.
Tokuyo falou da experiência de gestão do Circuito Fora do Eixo, dando exemplos ligados à área da música, mas que podem ser aplicados às artes cênicas. A colaboração, as parcerias, a ampliação do espaço simbólico da rede, a articulação para reduzir custo das produções e as formas variadas de captar recursos foram citadas como caminhos para desenvolver a cena teatral e fazer um trabalho artístico se sustentar e circular. "Há uma rede de articulação pronta para ser utilizada. É preciso ocupar os espaços, ficar atento aos editais e trocar tecnologia. Se nos perguntarmos por que é importante se organizar em rede, vou responder: porque é estratégico. A estratégia de desenvolvimento em rede é eficaz". Neste processo, os 80 pontos que formam o Circuito Foram do Eixo são plataformas de circulação, pontos de distribuição e de comunicação, que estão a serviço dos artistas. O Fora do Eixo também tem um Banco de Projetos que pode ser utilizado pelos grupos de teatro para se inscrever nos editais.
Os integrantes dos grupos de teatro participantes do Encontro relataram as movimentações e projetos realizados em suas cidades. Lucas Santarosa, do grupo Zibaldoni, de Ribeirão Preto (SP), falou sobre as iniciativas de ocupação de espaços e de fortalecimento do teatro na sua cidade. Um dos projetos implementados foi o “Circulando”, criado para mapear espaços culturais alternativos no centro e na periferia e realizar apresentações teatrais mensais."A ideia é movimentar a galera todo mês com atividades". Conforme Lucas, em Ribeirão Preto existem vários grupos de teatro, mas ainda não há uma boa integração entre eles. O contato do grupo com o Fora do Eixo se deu através do Coletivo Fuligem do qual participam.
Luise Sherer, da Cia Teatro de Bolso, de Santa Maria, relatou que os estudantes de artes cênicas da cidade costumavam se formar e ir embora devido à ausência de movimentação da cena local. “Não havia uma cena teatral em Santa Maria”. Hoje, a realidade é um pouco diferente. Os grupos estão se estruturando, se integrando e constituindo parcerias para fortalecer a cena local. O Palco Fora do Eixo e o Fetism são exemplos dessas novas reorganizações do trabalho cênico. A atriz Mariana Lohmann, da Cia EntreLinhas, lembrou também que os artistas da cidade precisam quebrar seus egos, participando, por exemplo, de festivais de teatro amador.
Márcio Silveira dos Santos, da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), participou do segundo dia de Encontro que abordou "Artistas Cênicos em Rede". A RBTR reúne articuladores das redes regionais de todos os estados da Federação. Em Porto Alegre, Márcio, que trabalha com teatro de rua há 20 anos, atua no grupo teatral Manjericão. Para ele, é importante pensar em como as redes podem dialogar, principalmente dentro da perspectiva de artes integradas. "Através do fluxo de diálogo dá pra traçar estratégias e contribuir com novos caminhos para as artes integradas no Brasil. Queremos agregar mais pessoas, trazê-las para o debate. Acreditamos que o PFE entra neste diálogo sobre as artes integradas e pela sua abrangência pode contribuir muito". A RBTR, surgiu em 2007 e realiza de um a dois encontros por ano. A rede trabalha com o conceito de artes cênicas na rua, artista em espaço aberto, o que inclui teatro, artes circences, dança, malabares, estátua viva, entre outra manifestações.
Outra preocupação trazida por Santos se refere aos dois grandes eventos que vão ocorrer no País: a copa do mundo e as olimpíadas. "Queremos saber como a cultura estará inserida nestes dois eventos. que imagem cultural do Brasil será passado ao mundo?". Marcio também tem atuação no Conselho Nacional de Políticas Culturais e do Colegiado Setorial de Teatro, instâncias da sociedade civil que participam da elaboração de políticas públicas para a área.
O I Encontro do PFE também contou com a presença do diretor do grupo Teatro Andante e ex-diretor de artes cênicas da FUNARTE, Marcelo Bones. Ator e diretor, Bones, 50 anos, trabalha com teatro há 34 anos. No grupo Teatro Andante, que existe há 20 anos em Belo Horizonte, atua como diretor e ator. O grupo faz apresentações na rua e em salas. Também é professor da Escola de Teatro, uma fundação cultural de MG.
Contou que resolveu participar do Encontro por curiosidade e vontade de conhecer melhor o funcionamento do Palco Fora do Eixo. "Vivemos um momento de quebra de paradigmas, de rediscussão sobre a representação, o papel do Estado, a organização em rede e o agir localmente; é um momento de construção". Bones foi diretor de artes cênicas da FUNARTE em 2009 e 2010. Conforme ele, a FUNARTE deveria rever seus parâmetro, atuando mais como articulador entre Estados e Municípios do que como órgão formulador de projetos.
Sobre políticas públicas, Carol Tokuyo falou da importância de se participar de conselhos, fóruns, conferências e outras organizações deliberativas da sociedade civil. "Devemos usar as instâncias participativas para articular e cobrar ações do poder público. Não se fica parado porque não há políticas públicas", afirmou ela, destacando que no Fora do Eixo, o Pcult é a frente que tem este papel de provocar a discussão sobre políticas culturais. "O Pcult não tem objetivo de ser um partido; é uma rede suprapartidária com vários agentes culturais que se propõe a pensar sobre politicas culturais transversais e pautar a cultura".Também destacou que mapear grupos que se organizam e movimentam a cultura da cidade é uma estratégia poderosa para chamar a atenção do poder público.
Contribuindo com a discussão, Marcelo Bones enfatizou que é preciso repensar a ideia de que o Estado é um propositor único de políticas públicas. "Não vale mais achar que o Estado é perverso, que está do outro lado do balcão que separa estado e agentes. Nossa relação com o estado vai ter que mudar e está mudando”, afirmou Bones, acrescentando que é preciso buscar outras lógicas, deixar de lado a vitimização.
O I Encontro do Palco Fora do Eixo foi assim: debate sobre gestão, organização em rede e políticas públicas. Espaço de trocas, compartilhamento de experiências e construção de perspectivas para as artes cênicas.
O próximo Encontro Nacional ocorre em 2012, em Belo Horizonte.
O debate sobre gestão cultural contou com Ana Paula Galvão, do GestaCultura, de São Paulo,e Carol Tokuyo, do Casa Fora do Eixo São Paulo. Galvão presta consultoria em gestão para artistas, principalmente grupos teatrais, sobre planejamento, plano de marketing e comunicação e uso de mecanismos de incentivo. "Não dá para os artistas ficarem esperando, hoje. É preciso ter protagonismo. Todo mundo produz e quer fazer seu trabalho aparecer e circular", afirmou Ana Paula, que também é professora da SP Escola de Teatro. Para ela, os artistas devem procurar se diferenciar e repensar os modelos de gestão, buscar soluções alternativas para circulação e distribuição do trabalho artístico.
Tokuyo falou da experiência de gestão do Circuito Fora do Eixo, dando exemplos ligados à área da música, mas que podem ser aplicados às artes cênicas. A colaboração, as parcerias, a ampliação do espaço simbólico da rede, a articulação para reduzir custo das produções e as formas variadas de captar recursos foram citadas como caminhos para desenvolver a cena teatral e fazer um trabalho artístico se sustentar e circular. "Há uma rede de articulação pronta para ser utilizada. É preciso ocupar os espaços, ficar atento aos editais e trocar tecnologia. Se nos perguntarmos por que é importante se organizar em rede, vou responder: porque é estratégico. A estratégia de desenvolvimento em rede é eficaz". Neste processo, os 80 pontos que formam o Circuito Foram do Eixo são plataformas de circulação, pontos de distribuição e de comunicação, que estão a serviço dos artistas. O Fora do Eixo também tem um Banco de Projetos que pode ser utilizado pelos grupos de teatro para se inscrever nos editais.
Os integrantes dos grupos de teatro participantes do Encontro relataram as movimentações e projetos realizados em suas cidades. Lucas Santarosa, do grupo Zibaldoni, de Ribeirão Preto (SP), falou sobre as iniciativas de ocupação de espaços e de fortalecimento do teatro na sua cidade. Um dos projetos implementados foi o “Circulando”, criado para mapear espaços culturais alternativos no centro e na periferia e realizar apresentações teatrais mensais."A ideia é movimentar a galera todo mês com atividades". Conforme Lucas, em Ribeirão Preto existem vários grupos de teatro, mas ainda não há uma boa integração entre eles. O contato do grupo com o Fora do Eixo se deu através do Coletivo Fuligem do qual participam.
Luise Sherer, da Cia Teatro de Bolso, de Santa Maria, relatou que os estudantes de artes cênicas da cidade costumavam se formar e ir embora devido à ausência de movimentação da cena local. “Não havia uma cena teatral em Santa Maria”. Hoje, a realidade é um pouco diferente. Os grupos estão se estruturando, se integrando e constituindo parcerias para fortalecer a cena local. O Palco Fora do Eixo e o Fetism são exemplos dessas novas reorganizações do trabalho cênico. A atriz Mariana Lohmann, da Cia EntreLinhas, lembrou também que os artistas da cidade precisam quebrar seus egos, participando, por exemplo, de festivais de teatro amador.
O ator Willian Sieverdt veio de Rio do Sul (SC) para participar do Encontro do PFE. Ele é presidente da Federação Catarinense de Teatro e diretor da Trip Teatro de Animação, uma companhia de teatro de bonecos. Conforme Sieverdt, a Federação tem hoje 120 grupos de teatro cadastrados em SC. Willian conta que veio a Santa Maria para conhecer melhor o Palco Fora do Eixo e o que ele pode agregar à produção teatral em sua cidade. "O intercâmbio, os trabalhos colaborativos, a colaboração mútua entre os grupos são processos que existem em SC e que se assemelham ao trabalho do PFE". Uma das tradicionais movimentações cênicas de Rio do Sul é o Festival Catarinense de Teatro que está em 16ª edição e ocorre de 01 a 06 de novembro. Conforme Willian, o Festival, que tem apoio da LIC estadual, ocorre em diversos espaços como bairros, escolas, empresas, praças. Ano passado, a Mostra oficial contou com 12 grupos do Estado.
Márcio Silveira dos Santos, da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), participou do segundo dia de Encontro que abordou "Artistas Cênicos em Rede". A RBTR reúne articuladores das redes regionais de todos os estados da Federação. Em Porto Alegre, Márcio, que trabalha com teatro de rua há 20 anos, atua no grupo teatral Manjericão. Para ele, é importante pensar em como as redes podem dialogar, principalmente dentro da perspectiva de artes integradas. "Através do fluxo de diálogo dá pra traçar estratégias e contribuir com novos caminhos para as artes integradas no Brasil. Queremos agregar mais pessoas, trazê-las para o debate. Acreditamos que o PFE entra neste diálogo sobre as artes integradas e pela sua abrangência pode contribuir muito". A RBTR, surgiu em 2007 e realiza de um a dois encontros por ano. A rede trabalha com o conceito de artes cênicas na rua, artista em espaço aberto, o que inclui teatro, artes circences, dança, malabares, estátua viva, entre outra manifestações.
Outra preocupação trazida por Santos se refere aos dois grandes eventos que vão ocorrer no País: a copa do mundo e as olimpíadas. "Queremos saber como a cultura estará inserida nestes dois eventos. que imagem cultural do Brasil será passado ao mundo?". Marcio também tem atuação no Conselho Nacional de Políticas Culturais e do Colegiado Setorial de Teatro, instâncias da sociedade civil que participam da elaboração de políticas públicas para a área.
O I Encontro do PFE também contou com a presença do diretor do grupo Teatro Andante e ex-diretor de artes cênicas da FUNARTE, Marcelo Bones. Ator e diretor, Bones, 50 anos, trabalha com teatro há 34 anos. No grupo Teatro Andante, que existe há 20 anos em Belo Horizonte, atua como diretor e ator. O grupo faz apresentações na rua e em salas. Também é professor da Escola de Teatro, uma fundação cultural de MG.
Contou que resolveu participar do Encontro por curiosidade e vontade de conhecer melhor o funcionamento do Palco Fora do Eixo. "Vivemos um momento de quebra de paradigmas, de rediscussão sobre a representação, o papel do Estado, a organização em rede e o agir localmente; é um momento de construção". Bones foi diretor de artes cênicas da FUNARTE em 2009 e 2010. Conforme ele, a FUNARTE deveria rever seus parâmetro, atuando mais como articulador entre Estados e Municípios do que como órgão formulador de projetos.
Os debates do Encontro do PFE não poderiam deixar de abordar as Políticas Públicas e Alternativas de Fomento para a área. Representanto da Secretaria de Cultura de Santa Maria, Fabio Vasconcelos, disse que o poder público valoriza as parcerias, mas admitiu que a pasta funciona mais como uma secretaria de Eventos do que de elaboração de políticas públicas. Também afimou que o fundo de cultura será implementado até o final do ano.
O coordenador de desenvolvimento institucional do grupo Teatro Vila Velha, de Salvador (BA), Ciro Sales, compartilhou sua experiência na Secretaria de Cultura do Estado da Bahia onde trabalhou na atual gestão. Contou que lá há uma estrutura desenvolvida de intercâmbio teatral. O Fundo Estadual de Cultura é o principal mecanismo de fomento da área, financiando e apoiando projetos. No entanto, na opinião de Sales, a LIC continua sendo fundamental. "Aumentamos o percentual da lei de incentivo. Pequenas e médias empresas podem investir valores menores". Outra ação da secretaria baiana foi a realização de programa de microcrédito que financia projetos de até dez mil reais, beneficiando artistas populares, por exemplo, e trabalhando com um conceito mais amplo de cultura, que inclui lazer, esportes, gastronomia. "Pra dar um exemplo,VJs e DJs tem comprado equipamentos de trabalho com este tipo de crédito". Para projetos mais ambiciosos, com valor a partir de cem mil reais, também há um programa de crédito. Conforme Sales, o próximo passo planejado pela Secretaria é setorizar os fundos, criando financiamentos específicos para dança, artes visuais, teatro etc.
Contribuindo com a discussão, Marcelo Bones enfatizou que é preciso repensar a ideia de que o Estado é um propositor único de políticas públicas. "Não vale mais achar que o Estado é perverso, que está do outro lado do balcão que separa estado e agentes. Nossa relação com o estado vai ter que mudar e está mudando”, afirmou Bones, acrescentando que é preciso buscar outras lógicas, deixar de lado a vitimização.
A gestora do Palco Fora do Eixo no FDE, Claudia Schulz, relatou que fazer as coisas acontecerem, mesmo com poucos recursos, chamou a atenção da Secretaria de Cultura de Santa Maria que fazia pouco caso da cultura independente. Para Cláudia, o encontro do PFE mostra a força do Circuito e potencializa a busca por mais fomento para a área. "Essa construção de políticas vai muito dessa forma de se organizar enquanto Circuito. Agir em bloco possibilita o alcance das coisas de forma mais rápida".
O I Encontro do Palco Fora do Eixo foi assim: debate sobre gestão, organização em rede e políticas públicas. Espaço de trocas, compartilhamento de experiências e construção de perspectivas para as artes cênicas.
O próximo Encontro Nacional ocorre em 2012, em Belo Horizonte.
domingo, 14 de agosto de 2011
A história do teatro é uma doce contadora de “estórias”
*Por Amauri Araujo Antunes
Antes que os estudiosos me critiquem, afirmando que na linguagem culta só existe a palavra “história”, eu me defendo, retomando uma proposta muito antiga, de 1919, que pretendia oferecer uma tradução eficiente em nossa língua para os termos ingleses “story” e “history”, o primeiro empregado para ficção e o segundo para realidade.
Ficção e realidade, como distinguí-las quando falamos de teatro? Um grupo de atores se reúne na praça, irão representar “Romeu e Julieta”. O público se aglutina, observa meio atento e meio desconfiado: algo irá acontecer. Um banner colocado nas imediações informa que há um Festival de Teatro na cidade, o FETISM - Festival de Teatro Independente de Santa Maria, mesmo assim paira uma certa dúvida. O espaço urbano está sendo invadido por alienígenas multicoloridos.
Os atores, agrupados, saem em cantoria. Um músico popular, vendo a movimentação, se empolga, dispara em correria, aproxima-se de um companheiro e o convence a emprestar-lhe um violão. Segue o grupo de atores. A trupe se posiciona e inicia o espetáculo. Dois cães se empolgam com o movimento e decidem participar da cena. O músico popular acompanha, ao violão, as canções trazidas pelos atores. E assim, em um salto de 4 séculos, o teatro de Shakespeare ressurge na praça pública, com situações tão próximas e semelhantes a aquelas presenciadas no palco Elisabetano: animais, bêbados, nobres... a população da cidade em comunhão artística.
Na noite anterior, parte da história de uma nação fora lembrada, por meio de uma estória tão real... Filhos de uma ditadura militar, argentinos arrancados do ventre da mãe e incubados na ilusão de uma pátria, sem nome ou identidade. As atrizes do grupo “TEA Teatro”, de Buenos Aires nos mostravam seu “rompe cabezas”, em um espetáculo de técnica e precisão. É importante saber ler nas entrelinhas.
O festival prossegue. Nas praças e nos palcos. Eu, como público sedento, acompanho as peripécias dos espetáculos de rua e as ousadias da cena no teatro. Consulto a programação. Em breve, haverá um Cabaré. E um encontro do Palco Fora do Eixo... mas, o que é um Palco Fora do Eixo? A que palco, a que eixo estão se referindo? Consulto nosso guia virtual que tudo sabe e tudo vê, e o Google me responde:
“O Palco Fora do Eixo (PFE) é uma das frentes temáticas de atuação da maior rede de cultura livre do país, o Fora do Eixo (FDE), que tem o intuito de estimular e horizontalizar as ações e experiências coletivas. Compartilhando informações e tecnologias num processo com estrutura aberta e orgânica, a rede tem como proposta o fomento de um mercado autoral, independente, alternativo e auto-sustentável. Pautados em conceitos de economia solidária e produção colaborativa, o FDE busca construir um sistema de produção e intercâmbio distinto do padrão-mercado, capaz de estimular e dar vazão à multiplicidade de linguagens, ações, empreendedorismos e outras formas de ativismo sócio-cultural.
“Com uma estrutura consolidada na base da troca de serviços e tecnologias sociais, o Palco Fora do Eixo dialoga principalmente com linguagens do teatro, do circo, da dança, da performance e de outras manifestações cênicas e corporais, presando (sic) sempre pela integração das artes. O objetivo principal do PFE é promover, fomentar, difundir e divulgar manifestações cênicas de grupos/artistas independentes a fim de desenvolver uma nova forma de se produzir, construir e consumir cultura,valorizando essas manifestações que propõem a arte não só como entretenimento, mas também como conhecimento e ferramenta de formação que mantém uma relação intrínseca com as políticas públicas.”
Fico sabendo deste movimento nacional, frente cultural, vanguarda na guerra contra o eixo. Parece estória, é história. Eram três, já são dez, podem ser oitenta, oito milhões... É empolgante. Minha memória embotada relembra relatos ouvidos em sala de aula, histórias e estórias de uma vila teatro, há muito tempo. Relembro os estudos sobre o Teatro do Estudante, que no Rio Grande do Sul foi fundado em 1941. Nele surgiram: Jose Lewgoy, Walmor Chagas, Fernando Peixoto, entre tantos outros. O foco era fugir do eixo, da dependência do mercado que ditava as regras de um teatro de entretenimento apenas. 70 anos se passaram.
O Teatro do Estudante foi um fenômeno nacional (assim como o Fora do Eixo). Há referências que apontam para números superiores a 200 grupos. A iniciativa começou com Paschoal Carlos Magno e durou 14 anos, entre 1938 e 1952. O projeto tinha uma função dupla: pedagógica e artística. Pretendia ensinar teatro e aperfeiçoar os espetáculos brasileiros. Introduziu o diretor teatral, em substituição ao teatro centrado na estrela do primeiro ator.
Curiosamente, o espetáculo de estréia do Teatro do Estudante foi “Romeu e Julieta” (esta peça tem uma força...). Em 1952, Paschoal Carlos Magno cria, no porão da casa de sua mãe, o teatro DUSE, um pequeno espaço para 100 pessoas (mais ou menos o tamanho do TUI, em Santa Maria, onde ocorrem apresentações do FETISM). Este teatro funciona, gratuitamente, até 1956. Entre as aventuras de Carlos Magno, destaca-se uma empreitada em 1953: 15 caminhões, transformados em palcos ambulantes, onde se realizaram cerca de 500 apresentações teatrais, no Rio de Janeiro.
Com o golpe militar de 1964, sua carreira de diplomata foi prejudicada. Mesmo assim, criou a aldeia de Arcozelo, em uma fazenda situada em Paty do Alferes – RJ, um espaço destinado ao teatro e à cultura, com alojamentos, refeitórios e teatros. Seu desejo era criar um centro independente de pesquisa e formação artística. Em Arcozelo, ele realizou, em 1971, o VI Festival Nacional do Teatro do Estudante, com a participação de mais de 30 grupos do Teatro do Estudante de todo o Brasil.
Graças ao esforço de Carlos Magno foram realizadas Caravanas Culturais que utilizaram aviões da FAB, ônibus e barcas para percorrer diversos estados do país, unindo jovens em torno da ideia da democratização da cultura. A Vila de Arcozelo, porém, consumiu toda sua fortuna e o levou à falência.
Histórias ou estórias? As lembranças me sacodem. Unindo os tempos, gerações de artistas e ativistas da arte, irmanados na mesma necessidade de democratizar o acesso, romper com as estruturas comerciais que nos afogam, sair dos eixos (geográficos, econômicos, políticos, artísticos...).
Histórias ou estórias? As lembranças me sacodem. Unindo os tempos, gerações de artistas e ativistas da arte, irmanados na mesma necessidade de democratizar o acesso, romper com as estruturas comerciais que nos afogam, sair dos eixos (geográficos, econômicos, políticos, artísticos...).
Quando fecho os olhos, eu me vejo na necessidade urgente da permissão da loucura do teatro e de todas as artes. É preciso romper com a ideia vigente que cultua o sucesso a qualquer preço. Precisamos de muito mais do que dois ou três espaços culturais. Precisamos de uma política pública de cultura, para a cidade, para o estado, para a região e para o país. Uma política pública que contemple cidades pequenas, que permita a circulação e a troca do conhecimento artístico. Precisamos recuperar nosso DNA, nossa história.
Democratizar o acesso à cultura e ao fazer artístico. Nossas autoridades precisam perceber que somente a arte tem o poder de recuperar nossa humanidade perdida. Infelizmente, quando abro os olhos é só parede. Alguém viu o meu cachorro?
Democratizar o acesso à cultura e ao fazer artístico. Nossas autoridades precisam perceber que somente a arte tem o poder de recuperar nossa humanidade perdida. Infelizmente, quando abro os olhos é só parede. Alguém viu o meu cachorro?
O FETISM, o Palco Fora do Eixo, os coletivos culturais que brotam por todo o país... a rede que está se formando não pode passar despercebida. Talvez seja a ação mais importante da cultura no Brasil atual e, no entanto, nossas autoridades continuam cegas. Ousados artistas, parabéns por mais esta realização. Agradeço-lhes, pela lembrança de histórias como a do Teatro do Estudante e de tantas outras, estórias doces, de outros festivais.
(Amauri Araujo Antunes é ator, iluminador, diretor teatral e agitador cultural. Atualmente é professor de Licenciatura em Teatro da UFSM)
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